Você sabe o que é gastronomia molecular?

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Você sabe o que é gastronomia molecular?

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Você sabe o que é gastronomia molecular?


O que vem à sua mente quando você ouve sobre gastronomia molecular?


Comidas espaciais, experimentos científicos, moléculas?


Tudo isso e muito mais!


A gastronomia molecular trata da ciência dos alimentos em sua forma mais prática, sem deixar de lado boas doses de teoria.


Imagina se você pudesse alterar a forma ou a textura de um alimento e apresentá-lo de jeito completamente inusitado. Um Pinã Colada em pó, já pensou?


Também chamada de cozinha tecnoemocional, é um movimento pós-moderno que teve um "boom" no final dos anos 90 e início dos anos 2000, e possui dois grandes nomes por detrás de seu apogeu:


Ferran Adrià do restaurante El Bulli e Heston Blumenthal do Fat Duck.


Os precursores da gastronomia molecular


Conhecido como o "Salvador Dalí da cozinha", Ferran Adrià teve seu restaurante premiado pela importante Restaurant Maganize 5 vezes como o melhor restaurante do mundo.  Em 2011 o El Bulli, que também contava com 3 estrelas Michelin, fecha as portas e deve retornar no próximo ano (2020) como um centro de inovação em gastronomia.


 El Bulli

Fonte: Food & Wine Magazine


O El Bulli 1846, localizado na Catalunha, será um laboratório e museu de inovação gastronômica que se dedicará à preservar e expandir os conhecimentos da gastronomia.

Uma das grandes invenções de Adrià e que continuam a fazer sucesso por todo o globo, são as famosas espumas. Através da introdução de caldos, gorduras, emulsificantes ou geleias em um sifão, cria-se um novo sabor com uma nova textura.

O chef revolucionou a relação das pessoas com os alimentos ao propor novas maneiras de preparar e servir. Pratos que mais parecem experiências científicas, texturas inusitadas, sabores que se modificam na boca, drinques solidificados, e apresentações exuberantes.

Heston Blumenthal inclui a tecnologia moderna aplicada à cozinha em seu estrelado restaurante Fat Duck, com menus que ultrapassam R$2.200 reais por pessoa, e reservas que pedem meses de antecedência.

O chef não gosta muito do termo "gastronomia molecular". Considera a expressão um pouco batida, pois acha que apesar de ser um dos precursores do que se considera "molecular" hoje em dia, tudo isso será uma realidade muito próxima das cozinhas em breve.

Muito interessado por química,  foi sempre autodidata. Diz que foi fortemente inspirado por um livro de Harold Mcgee, que envolvia ciência e comida.

livro de receitas


Comida & Cozinha: Ciência e cultura da culinária é um clássico em todo mundo. Considerado a bíblia de gastrônomos e chefs, é muito utilizado para compreender a origem dos alimentos, de que são feitos e como a culinária os transforma em iguarias.


Trata-se de um compêndio monumental de informações sobre ingredientes, métodos de cocção e prazeres da mesa.


Com o uso de nitrogênio líquido, Blumenthal cria pratos em sequência para fazer com que os clientes percebam a diferença, por exemplo, de nuvens feitas de diferentes tipos de açúcar: mascavo, orgânico, tradicional, etc...


Outro prato que chama muita atenção em seu restaurante é o chamado "Sound of Sea". Um prato de ostras sob um confit de abalone e farinha de tapioca que lembra a areia da praia e é finalizado com um espuma de caldo de crustáceos, como se fosse a espuma do mar.


Pessoa cozinhando

Fonte: The Straits Times


O prato é acompanhado de uma concha que abriga um Ipod com gravações de ondas e barulho do mar.


Com uma pegada sinestésica, o chef vem impressionando a cada criação. No vídeo abaixo dá para ver um pouco mais dos seus preparos e de como ele alia a gastronomia molecular e a disrupção em seus preparos.



As principais técnicas


Apesar de Àdria e Blumenthal serem precursores da gastronomia molecular em seu espectro mais comercial, isto é, difundindo através de seus restaurantes o movimento pelo mundo, devemos sempre referenciar os inventores.


Hervè This e Nicholas Kurti, um químico e um físico respectivamente, fizeram uma parceria em seus pós-doutorados, para explicar os fenômenos que aconteciam na cozinha.


Em um série de experimentações eles debatiam sobre as reações químicas, condução de calor, aspectos físicos dos alimentos, solubilidade, estabilidade, texturas, etc…


As técnicas então foram sendo difundidas e amplamente utilizadas por chefs no mundo todo, em que se destacam Àdria e Blumenthal.


Algumas das técnicas que foram estudas e depois replicadas em receitas são:


Esferificação: uma técnica que consiste em colocar um líquido dentro de uma esfera através da dissolução de alginato de sódio em água e em seguida, com a utilização de um conta-gotas, pingar o alimento nessa água. Dá para fazer "caviar" de mel, maracujá, de balsâmico, etc…


Caviar de melancia

Caviar de Melancia | Fonte: Toastable


Gelificação: permite brincar com as texturas e sabores através da utilização de gelificantes como ágar ágar e carboximetilcelulose. Dá para fazer spaghetti de frutas vermelhas, como mostra o vídeo abaixo:

Espumas: são uma das principais aplicações moleculares em cozinhas. Elas criam uma nova textura, aparência e transformam a experiência.

Para fazer uma espuma de frutas vermelhas por exemplo, você deve fazer um purê de 7 morangos, 5 framboesas e 10 mirtilos no liquidificador, bater uma clara em neve e incorporar ao purê. Adicionar 20g de açúcar e passar por um sifão culinário.

Compressor de chantili


É importante ler o manual do fabricante para ter total segurança na hora de usar o equipamento. Começando com preparos simples dá para ir galgando experiência até inovar na hora dos preparos de espumas.

Alimentos em pó: a reação das pessoas pode ser hilária. Imagine você oferecendo uma salada com azeite de oliva em pó para os seus convidados. Ou uma farofa de Nutella para cobrir um sorvete.

Tudo que você precisa é de maltodextrina, um polissacarídeo usado como aditivo alimentar feito à partir do amido. Ele tem a capacidade de absorver óleos e gorduras e preservar o aroma dos alimentos.

Costuma funcionar nas proporção 1 para 4, ou seja, para cada medida de maltodextrina, você utiliza 4 de outro alimento rico em gordura.

20g de azeite de maltodextrina para 80 de azeite ou Nutella. Depois é só usar um processador de alimentos para garantir a correta mistura.

Crítica

Existe toda uma polêmica na relação entre alimentação e modernidade. Um dos críticos mais ferrenhos de Ferran Àdria, o chef Santi Santamaría que faleceu em 2011, dizia que toda a "onda científica estava aleijando a alta cozinha".

Outras críticas se referem a utilização de elementos químicos na culinária, que poderiam causar danos à saúde. De fato, deve-se pensar nos limites éticos na utilização de ingredientes químicos para alterar a forma e textura de alimentos.

Mas a adição química, mesmo que não visível a olhos nus, é uma realidade da indústria alimentícia desde o advento dos ultra processados. Lasanhas congeladas, nuggets, hambúrgueres de fast-food, salgadinhos, bolachas, etc.. deveriam causar muito mais espanto do que um bando de cientistas querendo fazer macarrão de melancia com espuma de cogumelos.


Acho que quem levanta a bandeira da comida de verdade, aquela sem a utilização de emulsificantes, edulcorantes, saborizantes, aromatizadores e mais um milhão de outros artifícios para garantir mais sabor à preços mais baixos, tem sim seus méritos.


A alimentação deve ser transparente, sincera e bem-intencionada. E acredito que quem decide se aventurar pela gastronomia molecular deve ter plena ciência (perdão pelo trocadilho) de onde está se metendo.


Não acredito que o futuro da alimentação seja este, até porque temos várias tendências que apontam para a reconexão com a "terra", com ingredientes in natura, uma comida mais simples e reconfortante.


Mas nós consumidores somos curiosos, gostamos de experiências inusitadas, surpresas e sensações novas. Só que a alimentação, em sua forma mais pura, está longe do espetáculo.


Eu mesmo já fui em alguns restaurantes moleculares como é o caso do Poco Tapas, considerado um dos 3 melhores restaurantes do Brasil pelo Tripadvisor que fica em Curitiba, e o Mystery Cuisine em Paris.


Acho a experiência sublime, tenho vários insights criativos, saio sempre surpreso e maravilhado, mas não é algo que comeria mais de um vez por ano.


A comida afetiva, a comida raiz, o slow food e o prato da Mamma são mais a minha praia, mas é claro que eu entendo. Entendo, respeito e acho de extrema importância. Principalmente o que Ferran Àdria está propondo fazer com a nova fase do El Bulli.


Acredito porque a alimentação é também uma ciência, que como todas as outras pode gerar feitos incríveis. Espero ansioso uma gastronomia molecular menos glamourizada, com mais feitos compartilhados com a humanidade e menos exclusiva.


Mas até lá, vamos ver o que os chefs farão mundo afora com suas espumas e nitrogênio líquido.




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Sobre o autor

Frederico Paranhos é formado em gastronomia e publicidade e propaganda, atuou por 5 anos como chef de cozinha e consultor gastronômico. Hoje é redator e desenvolve conteúdo para a internet. Apaixonado pelo movimento slow food que empodera o produtor e enaltece os ingredientes, acredita que pode mudar o mundo pela gastronomia.

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